por Joana Vicente & Ana Buchadas
CIBIO/InBIO & FCUP
O acentuado declínio atual da biodiversidade tem sido relacionado com os efeitos das alterações ambientais em múltiplas escalas. As espécies exóticas invasoras são frequentemente consideradas a segunda mais importante ameaça à biodiversidade e ao funcionamento dos ecossistemas, podendo também produzir substanciais danos económicos. Muitas espécies de plantas invasoras são capazes de modificar os ecossistemas, causando perda de biodiversidade nativa, alterações nos processos ecológicos e na capacidade de provisão de serviços de ecossistema. Além disso, estima-se que a extensão e os impactos das invasões biológicas possam aumentar sob condições futuras de clima e de uso do solo.
Com técnicas de modelação ecológica é possível abordar a ameaça específica das plantas invasoras sobre a biodiversidade e os ecossistemas nativos, com o objectivo geral de estudar a invasão por plantas exóticas como promotor de alteração ecológica. Utilizando modelos de distribuição de espécies torna-se viável avaliar e antecipar os padrões de invasão, através da investigação de questões ecológicas específicas e propondo novas abordagens metodológicas. Os modelos ecológicos podem ser usados para a avaliação dos padrões, determinantes e conflitos da invasão por plantas em regiões fortemente invadidas e ambientalmente heterogéneas.
Na comunidade científica, a utilização de técnicas de modelação tem vindo a aumentar (Fig. 1). Tal deve-se aos desenvolvimentos tecnológicos recentes, ao crescente conhecimento sobre espécies invasoras e aumento dos dados colecionados sobre as espécies invasoras e comunidades envolventes, que permitem modelos de mais fácil aplicação e modelos com um maior fundamento teórico e prático. As técnicas de modelação ecológica podem ser distinguidas quanto à incorporação da dimensão temporal; falamos de modelos estáticos quando não a incorporam e de modelos dinâmicos quando a incorporam.
Fig.1 Evolução no número de publicações, retirado da ISI Web of Science (17/03/2016), de 1975 a 2014. Publicações de modelação ecológica dentro das publicações de invasão biológica, de modelação dinâmica dentro dos de modelação ecológica e de gestão dentro das publicações em modelação dinâmica.
Os modelos estáticos são particularmente úteis para prever a distribuição das invasoras, enquanto que os modelos dinâmicos são bons para avaliar o crescimento e processos de dispersão ou ainda as interações com componentes dinâmicas do ecossistema. Os modelos dinâmicos como permitem avaliar o crescimento e dispersão das invasoras são particularmente importantes para o controlo destas e como tal, muitos destes são utilizados para gestão de espécies invasoras (Fig. 1). Técnicas de modelação ecológica têm assim especial importância para a gestão das invasoras pois permitem-nos melhor compreender os seus impactos e evolução no ecossistema e ao mesmo tempo prever o seu crescimento, dispersão e áreas potencialmente em risco de serem invadidas. Possibilitam planear tanto uma gestão preventiva como uma gestão ativa de controlo.
Caso de estudo – Florestas do Norte de Portugal
No Norte de Portugal, três espécies do género Acacia que apresentam comportamento invasor – a mimosa (Acacia dealbata), a austrália (Acacia melanoxylon) e a acácia-de-espigas (Acacia longifolia) serviram como teste para este estudo. Estas espécies possuem um comportamento de expansão e colonização muito rápidas em espaços florestais, principalmente naqueles mais sujeitos a perturbações. Para prever as distribuições potenciais atuais e futuras destas três espécies no norte de Portugal (Fig. 2) foram aplicados modelos ecológicos, neste caso modelos de distribuição de espécies (modelos estáticos).
Fig. 2 Área em análise localizada no Norte de Portugal Continental (retirado de Vicente et al. 2011).
O modelo pretendeu prever a distribuição potencial das três espécies na atualidade e no futuro (com base em cenários de mudanças climáticas e de uso do solo) e avaliar o conflito espacial entre estas espécies invasoras e os perímetros florestais geridos em regime florestal parcial pela Autoridade Florestal Nacional na região. Os perímetros florestais são espaços de elevado património ou potencial para a produção florestal.
Fig.3 Dinâmica potencial da distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia, para o cenário de alterações climáticas A1 (cenário de rápido crescimento económico e maiores requisitos energéticos) e para os períodos/transições 2000-2020, 2000-2050 e 2020-2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies (retirado de Vicente et al. 2011).
As projeções espaciais resultantes permitem identificar áreas com potencial de invasão (Fig. 3) bem como reconhecer áreas de conflito com os perímetros florestais (Fig. 4). Na identificação de áreas de potencial de invasão, para as três espécies as áreas de colonização previstas são sempre superiores às de extinção, sendo que para a espécie acácia-de-espigas não se prevê qualquer área de extinção (Fig. 3).
Na identificação de áreas de conflito com os perímetros florestais, prevê-se em geral um aumento de intensidade dos conflitos, para 2020 e 2050, nos perímetros florestais já invadidos. Prevê-se também um começo de invasão por parte da mimosa nos perímetros florestais do Noroeste e da acácia-de-espigas dos perímetros florestais centrais (Fig. 4).
Fig. 4 Potenciais conflitos ocorrentes entre a distribuição das espécies invasoras A. dealbata, A. melanoxylon e A. longifolia e os perímetros florestais, para o cenário de alterações climáticas A1 (cenário de rápido crescimento económico e maiores requisitos energéticos) e para os anos de 2000, 2020 e 2050, prevista através dos modelos de distribuição das espécies (PF= Perímetro Florestal; retirado de Vicente et al. 2011).
Os resultados permitem ser aplicados uma gestão preventiva da invasão em áreas ainda não invadidas, e implementar ações de combate e erradicação espacialmente coincidentes para as três espécies, contribuindo para o aumento da eficácia e da eficiência dessas ações. Na gestão de espécies invasoras uma gestão tardia significa a impossibilidade de controlo, tal demonstra a urgência e necessidade de aplicar modelos ecológicos, porque, como diz o ditado Português, “mais vale prevenir que remediar”. Quando estas espécies são geridas, é também importante proceder a uma gestão adaptativa suportada por sistemas de avaliação da eficácia das medidas de gestão, e de sistemas de monitorização, para os quais estes modelos estáticos poderão também ser particularmente relevantes.
Para um olhar mais detalhado do caso de estudo consultar secção 3, cap. 3 do Livro “Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão”
Ambas as autoras deste capítulo pertencem ao grupo multidisciplinar de investigadores, o AliensWatch, que pretende promover a colaboração e partilha de informação entre investigadores, gestores, estudantes, público em geral e outras partes interessadas para construir investigação científica e gestão mais robusta e viável dando resposta à problemática das espécies invasoras. Trabalhos como o caso de estudo apresentado vêm neste mesmo sentido.
Para mais informações sobre o AliensWatch, consultar: https://cibio.up.pt/interest-group-alienswatch-pt, www.facebook.com/alienswatch.pt/
Referências usadas:
Vicente J, Fernandes R, Lomba Â, Pinto AT, Alonso J, Alves P, Gonçalves JA, Marchante H, Marchante E, Honrado JP (2011) O desafio atual e futuro da gestão das espécies exóticas invasoras nos espaços florestais do norte de Portugal, em Florestas do Norte de Portugal: História, Ecologia e Desafios de Gestão. Tereso JP, Honrado JP, Pinto AT, Rego FC (Eds.). InBio – Rede de Investigação em Biodiversidade e Biologia Evolutiva. Porto. ISBN: 978-989-97418-1-2. 436 pp.
Joana Vicente bióloga, ecóloga da paisagem ou modeladora ecológica dos tempos não livres. Sediada no Porto especializou-se em modelação ecológica de biodiversidade, padrões geográficos, ecologia da paisagem, alterações ambientais e espécies invasoras. Aplicando modelos ecológicos, interessa-se em prever impactes de alterações ambientais a multi-escalas na dispersão de invasoras.
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Ana Buchadas, alfacinha dos subúrbios, bióloga em vias de mestre em Ecologia no Porto. Especializa-se na aplicação de modelação dinâmica para a gestão de invasoras. Interessa-se pela a modelação ecológica como ferramenta de compreensão, análise e previsão socio-ecológica, espera um dia prever o euromilhões.