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"Trichilogaster acaciaelongifoliae" - a solução para controlar a invasão da acácia-de-espigas

Mais de 12 anos de testes e avaliações de risco em Portugal culminaram naquela que é a primeira autorização para a libertação de um agente de controlo natural de uma planta invasora do nosso país. Num continente muito conservador relativamente ao controlo natural de plantas invasoras, após passagem pelo crivo das autoridades Europeias e Nacionais, que escrutinaram o agente de controlo e os resultados dos testes efectuados, esta é somente a terceira autorização para libertação na Europa.
No entanto, ainda que o método seja novo na Europa, no resto do Mundo muitas dezenas de inimigos naturais já foram libertados para controlar plantas invasoras, desde há mais de um século. Dick Shaw, coordenador regional de espécies invasoras do CABI, falou ao Invasoras.pt (em 2013) sobre esta metodologia e vale a pena (voltar a) ouvir.

dick shaw CABI

A planta invasora a controlar, a acácia-de-espigas (Acacia longifolia), é das que causam mais impactes negativos no nosso litoral. O potencial invasor desta espécie deve-se em muito à elevada produção de sementes e, além disso, à longa vida destas. Os bancos de sementes criados no solo são numerosos e ativos durante muitos anos, potenciando a invasão e dispersão da espécie.

Os métodos de controlo actualmente utilizados em Portugal (controlo mecânico, por vezes, conjugado com controlo químico), para além de frequentemente ineficazes são muito dispendiosos. É comum após a eliminação das plantas adultas as sementes originarem rapidamente novas plantas, as quais (re)invadem a área ainda mais densamente, de tal forma é rápido o seu crescimento.

Este problema foi reconhecido na África-do-Sul onde, para o ultrapassar, há mais de 30 anos usam com sucesso um método que recorre a um inimigo natural exclusivo da acácia-de-espigas (Trichilogaster acaciaelongifoliae). Este método de controlo natural (também conhecido como controlo biológico) diminuiu em mais de 85% a produção de sementes de acácia-de-espigas na África do Sul. O inimigo natural é um pequeno insecto australiano, da mesma região de origem da própria acácia-de-espigas, que põe os seus ovos nas gemas que originam as flores da acácia-de-espigas. Quando as gemas florais recebem os ovos do insecto, a planta “reage”, formando uma galha (ou bugalho) no lugar das flores.

Sem flores não há vagens (os frutos) e sem vagens não há sementes. A consequência imediata é o ciclo de vida da planta invasora não se completar e, sobretudo, o seu banco de sementes não aumentar mais. Ou seja, com o passar do tempo, este inimigo natural da acácia-de-espigas além de diminuir significativamente o número de sementes que podem ser dispersas para além das áreas invadidas, contribui também para que deixem de entrar novas sementes para o banco de sementes. Como resultado de médio-prazo, espera-se que as áreas onde esta invasora seja removida possam ser intervencionadas sem o risco de serem vigorosamente (re) invadidas de imediato.

controloNaturalComLetras

a. vagens de acácia-de-espigas, b. área dunar (re)invadida por forte germinação de acácia-de-espigas depois de uma intervenção, c. acácia-de-espigas com galhas (na África do Sul), d. observação à lupa de Trichilogaster acaciaelongifoliae, agente de controlo natural de acácia-de-espigas durante os testes de especificidade, em ambiente confinado (quarentena) onde foi colocado em contacto com uma lista de plantas não-alvo (tojo, na imagem).

 

Mas será este método livre de riscos? E se o insecto colocar os ovos nas gemas de outra planta? 

Essa possibilidade foi avaliada em Portugal por uma equipa que inclui investigadores da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra e do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra. Foi testada a reacção a outras plantas, incluindo espécies silvestres, agrícolas e florestais, tanto na África-do-Sul como em Portugal, e concluiu-se que o insecto é específico na sua escolha. Ou seja, apenas a acácia-de-espigas lhe permite completar o seu ciclo de vida, não tendo conseguido formar galhas noutras plantas durante os testes. Adicionalmente às investigações portuguesas, os estudos que documentam a sua utilização na África-de-Sul são numerosos e estão disponíveis (e.g., Dennil 1988Dennil 1990Dennil et al. 2003), apoiando as vantagens da utilização deste agente.

Depois de realizados os testes de especificidade portugueses (entre 2005 e 2010) seguiu-se a fase de análise e validação (2010-2015). Foi um longo e demorado processo que incluiu a análise detalhada por entidades Portuguesas e Europeias, permitindo que diferentes entidades de diferentes quadrantes e interesses tivessem oportunidade avaliar os procedimentos e resultados e, portanto, validar a proposta de introdução.
O procedimento seguido foi longo e envolveu muitos passos:

1. 2003 – 2004: pedido de autorização para realização dos testes de especificidade ao, então, ICN (Instituto de Conservação na Natureza). A introdução de T. acaciaelongifoliae para realização dos testes foi autorizada (em condições de quarentena) e a lista de espécies não-alvo a testar validada.

2. 2005 – 2010: realização dos testes de especificidade, incluindo ensaios em quarentena (Portugal) e em campo (África-do-Sul e Austrália). Os resultados confirmaram a especificidade do organismo e foram publicados numa revista científica da especialidade e incluídos numa tese de doutoramento.

3. 2011 – 2012: pedido de libertação entregue ao ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) que analisou e entendeu que a DGAV (Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária), entidade nacional competente na área de protecção de plantas, também devia ser consultada.

4. 2012 – 2013: DGAV analisou o pedido, solicitou esclarecimentos e informações adicionais (incluindo a Norma OEPP PM 6/2 (2)) e decidiu que, o pedido devia ser analisado a nível europeu.

5. 2013: Comité Fitossanitário Permanente, da Direcção Geral da Saúde e Consumidores da Comissão Europeia (de que faz parte a DGAV, como representante Português) analisou o pedido e  decidiu solicitar à EFSA (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) a elaboração de uma análise de risco.

6. 2014 – Abril 2015: EFSA procedeu à análise de risco e elaborou o seu parecer, o qual foi favorável à libertação do agente de controlo biológico (e publicou posteriormente um artigo sobre esta análise).

7. Julho 2015: o Comité Fitossanitário Permanente analisou o parecer da EFSA e não encontrou nenhuma razão para recomendar a não libertar T. acaciaelongifoliae em Portugal.

8. Julho 2015: o processo foi devolvido às entidades portuguesas que autorizaram a libertação de T. acaciaelongifoliae, tornando Portugal no 2º país da Europa (depois do Reino Unido) a autorizar a utilização de um agente de controlo natural para conter uma planta invasora.

[9. Outubro – Dezembro 2015: Prevê-se que ocorram as primeiras largadas para libertação do agente de controlo natural para conter a acácia-e-espigas em Portugal.]

Apesar de esta ser a primeira libertação de um agente de controlo natural para o controlo de uma planta invasora em Portugal, o conhecimento científico sobre este organismo é profundo uma vez que é uma espécie utilizada há mais de 30 anos na África-do-Sul, que foi monitorizada e acompanhada ao longo destes anos. Ainda que possam ser expectáveis alguns efeitos a nível das comunidades de insectos que utilizam as galhas nativas, os efeitos esperam-se negligenciáveis e precisam ser sempre tidos em conta considerando os custos-benefícios associados, i.e., ainda que haja algum efeito a nível das comunidades de galhas nativas, os impactes negativos que a acácia-de-espigas tem nas comunidades de plantas nativas, no solo e a vários outros níveis* são muito significativos, pelo que o risco de não se fazer nada ou continuar o controlo pouco eficaz que se tem feito até ao momento (muito dispendioso e também com efeitos negativos a vários níveis) é muito mais elevado.

 

*Marchante H (2011) Invasion of Portuguese dunes by Acacia longifolia: present status and perspectives for the future. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra. Doutoramento em Biologia, especialidade em Ecologia. 184pp.

Le Maitre DC, Gaertner M, Marchante E, Ens E-J, Holmes PM, Pauchard A, O’Farrell PJ, Rogers AM, Blanchard R, Blignaut J, Richardson DM (2011) Impacts of invasive Australian acacias: implications for management and restoration. Divers Distrib 17: 1015-1029.

Marchante E, Kjøller A, Struwe S, Freitas H (2008) Invasive Acacia longifolia induce changes in the microbial catabolic diversity of sand dunes.Soil Biol Biochem 40(10): 2563-2568.

Marchante E, Kjøller A, Struwe S, Freitas H (2008) Short and long-term impacts of Acacia longifolia invasion on the belowground processes of a Mediterranean coastal dune ecosystem. Appl Soil Ecol 40: 210-217.

Marchante E (2008) Invasion of Portuguese coastal dunes by Acacia longifolia: impacts on soil ecology. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra. Doutoramento em Biologia, especialidade em Ecologia. 128pp.

Marchante H, Marchante E, Freitas H (2003) Invasion of the Portuguese dune ecosystems by the exotic species Acacia longifolia (Andrews) Willd.: effects at the community level. In: Child LE, Brock JH, Brundu G, Prach K, Pyšek P, Wade PM, Williamson M (eds) Plant Invasions: Ecological Threats and Management Solutions. Backhuys Publishers, The Netherlands, pp. 75-85.

Marchante H (2001) Invasão dos ecossistemas dunares portugueses por Acacia: uma ameaça para a biodiversidade nativa. Mestrado em Ecologia. Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Portugal. 147pp.

Se não tiver acesso a alguma destas publicações pode escrever-nos para invader@uc.pt e enviaremos.

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Comentários

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Cara Isabel, Agradecemos o seu interesse e pedimos desculpa pela demora na resposta. Se tiver possibilidade de estar atenta ao Invasoras.pt ou ao nosso <a href="https://www.facebook.com/InvasorasPt" rel="nofollow">Facebook</a>, vamos lançando desafios/ pedidos de colaboração de vez em quando. Actualmente, lançamos um pedido de ajuda para mapear as acácias que estão agora em floração.