Depois de autorizada a libertação do agente de controlo natural para a acácia-de-espigas em Julho de 2015, até finais de 2019, foram realizadas cinco campanhas de libertação de Trichilogaster acaciaelongifoliae em Portugal: a primeira em Dezembro de 2015 (no âmbito do projecto INVADER-B*), a segunda em Novembro/ Dezembro de 2016 (integrada no projecto INVADER-IV**), a terceira em Dezembro de 2017, a quarta em Junho/Julho de 2018 e a quinta em Junho de 2019 (as últimas três no âmbito principalmente no projecto GANHA***). As libertações continuaram ao longo dos primeiros anos, assim como a dispersão natural do agente e em 2021 observava-se estabelecimento deste agente de controlo natural de Norte a Sul do território, em perto de 50 localizações. Neste artigo publicado no Journal of Environmental Management pode ver o ponto de situação até final de 2020: Establishment, spread and early impacts of the first biocontrol agent against an invasive plant in continental Europe. Em 2023, sem qualquer financiamento dedicado, a equipa que tem acompanhado o processo desde o início (que integra investigadores do Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra e da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra) conseguiu fazer uma nova monitorização ao longo de toda a costa. Os resultados estão disponíveis no relatório apresentado às Autoridades competentes na matéria [AQUI].
Qual a planta que o agente de controlo natural está a ajudar a controlar?
Figura 1. Detalhes de acácia-de-espigas: da esquerda para a direita – aspecto geral, ramo em floração e vagens maduras com as sementes já totalmente formadas.
A planta a controlar é a acácia-de-espigas (Figura 1. Acacia longifolia; vejam aqui como se distingue de outras acácias), uma das plantas invasoras que causam mais impactes negativos no nosso litoral, por exemplo a nível das comunidades de plantas, no solo e nas comunidades de galhadores e insectos associados. Esta espécie produz um grande número de sementes que contribuem de forma significativa para a sua capacidade invasora. Por um lado, as sementes são dispersas, por exemplo por formigas, criando novos focos de invasão; por outro lado, as sementes acumulam-se no solo (vários milhares por m2) e aí permanecem viáveis durante vários anos potenciando a capacidade da planta para (re)invadir e dispersar para mais longe. Neste contexto, procurou-se uma forma de controlo natural para ajudar a diminuir a quantidade de sementes produzidas.
Qual é o agente de controlo natural?
O agente é um insecto-australiano-formador-de-galhas, de nome científico Trichilogaster acaciaelongifoliae (Figura 2). Este pequeno insecto, como o nome comum sugere, é um formador de galhas (como os bugalhos dos carvalhos), que coloca os ovos nas gemas florais (e vegetativas) de acácia-de-espigas, promovendo galhas onde se formariam as flores e/ou novos ramos: sem flores não há vagens (frutos), sem vagens não há sementes, e sem sementes não há acácias-de-espiga novas. Ou seja, este pequeno insecto diminui a capacidade da acácia-de-espigas se reproduzir e consequentemente (re)invadir e dispersar para novas áreas. Os testes realizados em Portugal e a experiência de mais de 30 anos na África-do-Sul indicam que Trichilogaster acaciaelongifoliae é um insecto muito específico que promove a formação de galhas apenas na acácia-de-espigas (nas várias sub-espécies); esporadicamente pode afectar espécies muito próximas filogeneticamente, como sejam Acacia melanoxylon e Paraserianthes lophanta (ambas Mimosoideae, e com comportamento invasor em Portugal), mas o efeito sobre estas espécies é considerado negligenciável.
Vejam como é pequena neste vídeo.
Figura 2. Da esquerda para a direita: uma fêmea de Trichilogaster acaciaelongifoliae num ramo jovem de acácia-de-espigas, dirigindo-se para uma gema vegetativa; galha já totalmente formada por T. acaciaelongifoliae; corte longitudinal de uma galha de T. acaciaelongifoliae – é possível observar-se a câmara já vazia e o canal por onde o insecto terá saído.
Se têm dúvidas, vejam os prós e contras/aspectos controversos e ouçam esta apresentação.
Qual o ponto da situação?
Entre 20 de Novembro e 7 de Dezembro de 2015 decorreu a primeira campanha de libertação: mais de 400 fêmeas de Trichilogaster acaciaelongifoliae oriundas da África-do-Sul foram libertadas em sete locais ao longo do litoral Português e em Coimbra. Da primeira campanha de libertação resultou a formação de cerca de 60 galhas em acácia-de-espigas, observadas entre Junho e Agosto de 2016, em cinco dos locais de libertação, nomeadamente no Perímetro Florestal das Dunas de Cantanhede (Tocha), na Mata Nacional das Dunas de Quiaios, na Mata Nacional de Leiria (São Pedro de Moel), na Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto e em Coimbra. Considerando que os insectos vêm do hemisfério sul, e como tal precisam sincronizar o ciclo de vida com as estações e a fenologia da acácia-de-espigas do hemisfério norte, eram expectáveis dificuldades no estabelecimento nas primeiras épocas, pelo que a detecção de galhas no primeiro ano foi uma boa notícia: Trichilogaster acaciaelongifoliae conseguiu completar o ciclo de vida em condições naturais em Portugal! A partir desta altura o insecto foi progressivamente sincronizando o seu ciclo de vida com as condições no hemisfério norte e conseguiu dispersar mais facilmente, verificando-se um aumento muito significativo no número de galhas ano após ano.
Mas as libertações continuaram e entre Novembro e meados de Dezembro de 2016 decorreu a segunda campanha de libertação: foram libertadas mais de 1300 fêmeas de Trichilogaster acaciaelongifoliae, também oriundas da África-do-Sul, em 19 locais ao longo do litoral entre Esposende e Marinha Grande. Na Primavera/Verão de 2017 foram realizadas monitorizações de forma a acompanhar o estabelecimento e efeito do agente de controlo natural em todos os locais onde foi libertado previamente:
- mais de 1100 galhas de T. acaciaelongifoliae foram detectados na natureza nos cinco locais de campo acima identificados, todos correspondentes a galhas de segunda geração – ou seja, nos locais onde as fêmeas que emergiram de galhas sul-africanas foram libertadas no final de 2015; o n.º de galhas teve um aumento notável, quando comparado com o observado em 2016;
- foram detectadas galhas num segundo local de libertação em Coimbra, possivelmente das libertações de 2015;
- nenhuma galha foi detectada nos locais onde as fêmeas de T. acaciaelongifoliae foram liberadas no Inverno de 2016. As temperaturas muito baixas no início de 2017 e o ano anormalmente seco podem ter contribuído para a dificuldade do organismo em completar o ciclo de vida nesta época.
Figura 3. Trabalho de campo. Da esquerda para a direita: fêmea de Trichilogaster acaciaelongifoliae libertada; Francisco Nuñez, do CEF/UC, detectou galhas de T. acaciaelongifoliae; Isídro Seiça, do ICNF, a libertar uma fêmea de T. acaciaelongifoliae.
Uma nova campanha de libertação decorreu no Inverno de 2017, ainda com galhas importadas da África-do-Sul. As monitorizações dos locais onde foram feitas libertações continuaram regularmente.
Figura 4. Galhas de Trichilogaster acaciaelongifoliae observadas em Março de 2018.
Em Junho/ Julho de 2018, pela primeira vez, libertaram-se fêmeas de T. acaciaelongifoliae provenientes de galhas estabelecidas em território Português - ou seja, com a fenologia da planta-alvo e o ciclo de vida de T. acaciaelongifoliae perfeitamente sincronizados e em condições meteorológicas mais favoráveis. As galhas foram recolhidas num dos locais de estabelecimento perto de São Pedro de Moel (onde o seu número era mais elevado, de forma a não colocar em causa as populações do agente de controlo natural) e cerca de 1300 fêmeas foram libertadas em 33 locais onde A. longifolia ocorre, principalmente ao longo da costa (Figura 5). Desde 2019 foram sendo libertadas fêmeas de T. acaciaelongifoliae em vários locais de Norte a Sul. Em resultado destas libertações muitas mais populações se estabeleceram, de Norte a Sul do território, desde Riba de Âncora até Faro, em perto de 50 locais distintos (Figura 5).
Mais de 50 espécies de plantas não-alvo que co-ocorrem com acácia-de-espigas foram monitorizadas (incluindo carvalhos, urzes, estevas, giestas, tojos, salgueiros, pilriteiros, medronheiros, camarinhas, samouco, outras acácias, etc.), e nenhuma galha de T. acaciaelongifoliae foi detectada, confirmando a especificidade deste agente de controlo natural.
Figura 5. Locais de libertação e estabelecimento de Trichilogaster acaciaelongifoliae ao longo do território continental de Portugal até 2021. Resultados mais detalhados e recentes, de 2023, podem ser consultado no 7º relatório apresentado às autoridades competentes [AQUI] (Marchante et al. 2023.Post-release monitoring of the biocontrol agent "Trichilogaster acaciaelongifoliae" for the control of the invasive "Acacia longifolia" in Portugal - Seventh Report)
Resumindo
Depois de sete anos e considerando o desafio de atravessar os hemisférios e as condições de campo adversas observadas durante as libertações (principalmente ventoso e frio), o agente de controlo natural T. acaciaelongifoliae conseguiu estabelecer-se em Portugal e estabelecer-se em perto de 50 locais. Em 2024, nos locais onde o estabelecimento é mais antigo, o número de galhas é já bastante elevado (Figura 6) e observa-se uma redução da floração muito significativa (em algumas árvores, quase 100%), e consequentemente redução da produção de sementes, de acácia-de-espigas.
Figura 6. Galhas de Trichilogaster acaciaelongifoliae observadas em Maio de 2020 (acima) e em 2023 (abaixo).
Se virem galhas de T. acaciaelongifoliae reportem-nas na APP Epicollect5 (AQUI), no projeto que criamos no iNaturalist/BioDiversity4All (AQUI) ou escrevam-nos para invader@uc.pt
Para saber mais sobre o controlo natural da acácia-de-espigas, ouçam esta peça da TSF, vejam este episódio do Programa Biosfera, uma produção Farol de Ideias para © RTP 2017 (sensivelmente a partir do min 7), vejam esta apresentação (2017) ou este webinar (2023) que fizemos em Sessões de esclarecimento sobre o tema, assistam ao Seminário de apresentação dos resultados do projecto INVADER-IV ou leiam os relatórios de 2021 e/ou 2023 que apresentamos às autoridades competentes (ICNF e DGAV).
* O projecto INVADER-B decorreu de 01 de Julho de 2013 a 30 de Novembro de 2015; foi coordenado pelo Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra em parceria com a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra.
** O projecto INVADER-IV teve início em 01 de Julho de 2016 e decorrerá até 01 de Julho de 2020; foi coordenado pelo Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra, em parceria com a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra e com a Introsys.
*** O projecto GANHA – Gestão sustentável de Acacia spp: controlo natural e outras metodologias para recuperação de habitats em Áreas Classificadas teve início em Março de 2017 e decorrerá até Dezembro de 2020. Tem como beneficiários a Universidade de Coimbra (Líder do projeto; através do Centre for Functional Ecology – Science for People & the Planet,do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra, a Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, a Câmara Municipal de Vagos e o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel. Participa ainda a Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Coimbra.